quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Polêmicas mal explicadas no PNDH

Muito tem se falado sobre o "polêmico" Programa Nacional de Direitos Humanos. Recebi o email de um velho companheiro de lutas estudantis no qual achei esclarecedor e por isso tomo a liberdade de publicá-lo a seguir:

A quem interessa desmoralizar o Programa Nacional de Direitos Humanos

Por João Paulo Mehl


A terceira versão do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH – 3), lançada pelo presidente Lula em dezembro do ano passado, abarca diversas questões e balançou as mesas de debate nacional. Junto à polêmica gerada, também vieram as evidências da desinformação (por vezes proposital) sobre o conteúdo; ainda assim, o projeto acabou iluminando a discussão ideológica que deve ser o centro da política nacional, colocando em confronto aqueles que acreditam que é preciso avançar no processo democrático, corrigindo injustiças históricas, e aqueles que compõem ou representam a velha e conservadora elite nacional avessa a mudanças.

É preciso pontuar de antemão que o PNDH - 3 não é fruto de interesses de partido A ou B, mas o resultado de mais de dois anos de debates promovidos por audiências públicas, conferências regionais, estaduais e nacional de Direitos Humanos. Estas mobilizaram cerca de 14 mil pessoas, representantes dos diversos setores da sociedade brasileira - tanto no âmbito civil quanto no governamental - em todos os estados da federação. O projeto é o produto de uma revisão do programa inicial sugerido durante o primeiro mandato de FHC, em 1996, em que pontos foram reavaliados e novos incluídos.

O plano prevê a criação de 27 leis e toca em diversas questões, algumas mais polêmicas. No conteúdo, propõe-se a descriminalização do aborto, a proibição da ostentação de símbolos religiosos em locais públicos, direito ao casamento civil de pessoas do mesmo sexo e a adoção de crianças por estes casais e outras propostas na tentativa de reformar pontos conservadores da constituição brasileira. Também abrange direitos dos povos indígenas e quilombolas e sugere o acompanhamento editorial dos veículos de comunicação.

A sociedade propôs e o Governo Lula ousou assimilar propostas amplamente debatidas. Mas sempre que surgem propostas para mudar o status quo, logo aparece a turma do "deixa como está". Ignorando que o plano é resultado de amplas discussões e segue critérios democráticos, estes setores desinteressados em debater com a população passaram a demonstrar, através da mídia, sua profunda insatisfação com as reformas que o Programa objetiva promover. São grupos isolados que, por interesses específicos, têm feito forte pressão para retirar propostas do plano ou modificá-las de acordo com suas intenções.

Entendemos que a Lei deve ser uniforme e proteger igualmente os seres humanos, em meio à diversidade do nosso país. Sendo branco, negro, índio, LGBT, torcedor do Bahia ou vegetariano, todos são iguais perante a Lei e têm o mesmo direito de se alimentar, receber assistência médica ou ir ao teatro; então, por que é proibido o casamento entre pessoas do mesmo sexo? Qual é a justificativa racional impede um casal gay ou de lésbicas de adotar um filho e construir uma família? Como um conjunto de leis que deve defender e organizar a sociedade exclui, por razões preconceituosas, direitos de grupos historicamente vítimas da discriminação? É preciso combater o preconceito, e esse combate começa por avançar em pontos que nunca foram debatidos em nosso país. Querer conservar esse sistema injusto e desigual é ferir gravemente os direitos humanos.

É preciso seguir firme na proposta inicial do PNDH - 3 e resistir às pressões das elites que, para manter seus privilégios, não têm interesse na justiça social ou nos direitos humanos. No caso da ocupação de terras, a proposta é que só terão poder as liminares de reintegração de posse após a realização de audiência pública para analisar o caso e a função social da propriedade reivindicada. Antes, a reintegração de posse era imediata e geralmente violenta, com o PNDH - 3, haveria critérios socialmente mais justos na avaliação dos casos, como o papel que a terra cumpre na sociedade brasileira: o que produz, para quem produz, por que produz. A intenção é promover uma mediação pacífica nos conflitos agrários e urbanos. Mas setores conservadores do agronegócio, representados no governo pelo ministro Reinhold Stephanes (o mesmo que é contra a óbvia e necessária revisão dos índices de produtividade) e pela bancada ruralista têm demonstrado sua insatisfação com a reforma no plano ao pressionar o governo para retirar essa proposta.

O PNDH - 3 também estabelece a proibição de ostentar símbolos religiosos em locais públicos, para garantir que o Brasil não seja um Estado laico só na teoria. Por respeito à pluralidade de visões e religiões, a proposta de proibir a exposição de artigos que remetam a uma ou outra doutrina serve para não ferir a liberdade de crença. Locais públicos, como o próprio nome sugere, são ambientes que pertencem ao coletivo dos cidadãos e, portanto, certos princípios devem ser observados. Do mesmo jeito que um católico talvez possa não se sentir à vontade com símbolos de outras crenças, um ateu também pode se incomodar com a imagem de um santo. Por respeito a ambos e a todos os outros grupos religiosos, o espaço público deve ser preservado de ostentações particulares de cada doutrina.

Entretanto, dentre as questões mais polêmicas, destaca-se a proposta de criação da Comissão pelo Direito à Verdade. Esse grupo terá o papel de examinar atos de violação dos direitos humanos cometidos durante a ditadura militar. Após pressão do Exército, a solução encontrada foi retirar do plano referências à repressão, mas substancialmente a proposta de analisar e punir os crimes políticos permanece. Preocupa-nos, no entanto, o impacto político deste recuo. A importância desse ponto é finalmente desvendar essa página obscura da história do Brasil, em que centenas de algozes ainda não foram responsabilizados pelas torturas praticadas, e enfim superar a violência institucional. É papel da sociedade pressionar para sejam esclarecidas as barbáries cometidos pelo regime militar.

Não podemos deixar de citar o que a grande mídia chama de "censura" e nós chamamos de controle social de um espaço que é público e não privado, como querem os donos do poder. TV e rádio são concessões públicas, isto é, pertencem a você, a mim e a todo povo brasileiro e por isto devem prestar um serviço público que atenda aos interesses da população, e que segundo a constituição brasileira deve seguir critérios e objetivos que muitas vezes são infringidos. O PNDH - 3 propõe que empresas que veicularem programas que atentem contra os direitos humanos sejam punidas e que seja criado um ranking das coorporações comprometidas com os DH e daquelas que cometem infrações. Oras, quem tem medo de Direitos Humanos?

Existem outros pontos que mereciam uma abordagem mais atenta, mas é importante que se aborde alguns dos mais polêmicos para contribuir com o entendimento público. Refletindo um pouco sobre a conjuntura pós apresentação do plano, vemos que ele explicita o governo de coalisão em que vivemos e deixa claro até onde o governo pode avançar neste modo de governar, limitado pela tal governabilidade. Dos 37 atuais ministros, 31 concordaram e assinaram o plano. Dentro da base governista no congresso a situação é pior; boa parte dos deputados se escondem com medo do impacto eleitoral e outros, ligados aos ruralistas e a setores fundamentalistas, são os primeiros a apedrejar o programa. E o Presidente Lula que assinou o decreto? E a alta direção do Governo? Será que é hora de escutar os marqueteiros de plantão sempre prontos a ponderar para não correrem riscos eleitorais, ou encarar velhas demandas e propor ações efetivas de valorização de direitos?

O Governo não pode ceder mais uma vez e nem abrir mão de convicções históricas da sociedade. O programa é um avanço, e revê-lo, retirando ou amenizando pontos polêmicos, representa uma vitória dos setores mais conservadores da sociedade. É preciso enfrentar a rigidez das estruturas construídas para que se ergam outras, mais justas e democráticas, e que respeitem os direitos humanos. Esperamos que saia do papel as propostas do pacote de medidas que vêm sendo alvo de protesto de grupos isolados que optaram por não fazer o debate dentro das instâncias pré estabelecidas.

Entendo que é de fundamental importância que os movimentos sociais e partidos de esquerda se unifiquem na luta para implementar integralmente o Programa Nacional de Direitos Humanos e pressionem as instituições do governo a fim de que ele seja colocado em prática. Embora ainda haja muita caminhada no que se refere à justiça social, não se pode negar que o programa é um avanço em questão de direitos humanos e poderá mexer em velhas estruturas erguidas para manter a desigualdade em nosso país, basta vontade política!


Vamos às ruas e à luta em defesa do 3º Plano Nacional de Direitos Humanos!


João Paulo Mehl é presidente eleito da Zonal Matriz do Partido dos Trabalhadores de Curitiba, também é associado do Coletivo Soylocoporti e do Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social.
Este texto não representa necessáriamente a opinião das organizações citadas, mas a opinião pessoal do autor.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Espelhos

Quando comecei a militar no Partido Comunista as pessoas perguntam como, porquê eu estava fazendo política. Hoje escuto muitas vezes me perguntarem porque não desisto. Acredito ser bastante evidente a resposta. Não desisto porque nosso país é maravilhoso, nosso povo pode viver com muito mais dignidade, porque as injustiças seguem me indignando e eu acho que posso ajudar a melhorar, que nós podemos, na luta, ajudar a melhorar.
Mas volta e meia, principalmente quando converso com bons colegas que pensam em deixar o parlamento nessas eleições, reflito sobre suas razões. E existem várias que me sensibilizam. Mas uma em especial: uma sensação de que muitas pessoas agem como se todos estivessem errados, como se ninguém prestasse, como se soubessem tudo e não fosse necessário nem sequer perguntar.
Acho que já comentei aqui de um fato que ocorreu comigo há quase três anos. Eu havia sido eleita deputada há alguns meses. A Câmara estava votando aumento de salário. Minha avó estava hospitalizada. Fiquei em Brasília todos os dias trabalhando. Ela morreu. E foi, até hoje, a pessoa mais próxima e querida minha que se foi. De um lado havia um jornalista que me ligou 17 vezes (mais ou menos isso) porque achava que eu não queria falar (eu estava no cemitério). De outro, estava eu no carro indo (sei lá) para o hospital juntar as coisas delas e ouvi um cidadão gritando: em Porto Alegre, hein? Matando trabalho... Nunca mais voto em ti.
Evidente que entendo as razões de ambos. Muitos não falam com jornalistas. Muitos matam trabalho. Mas também é preciso ver o outro lado. Nós não somos espelhos que as coisas refletem e voltam. Elas entram. Nos sensibilizam. Marcam. Como em todas as pessoas.
O problema é com os políticos ainda há explicação. Evidente que não justifica, mas explica. As pessoas tem seus reais motivos para desconfiar. Mas eu percebo isso em muitas outras relações da sociedade. Parece que nosso individualismo é tão grande que esquecemos de nos colocar no lugar das pessoas. Será que a moça do caixa do supermercado que te atendeu mal não está com algum problema? Será que o cobrador do ônibus não tem contas atrasadas ou um filho envolvido com drogas? Será que não seria tudo melhor se APENAS nos colocássemos no lugar do outro? Em minha opinião sim.
Nesse período do ano em que passou (janeiro e fevereiro) enfrentei um grande problema. E vi como as pessoas que se colocaram em meu lugar puderam me ajudar. Aprendi. E tento fazer isso sempre. Pergunto mais, problematizo mais, olho por vários ângulos. A dor ensina a gemer, diz o ditado.
Escrevo isso tudo pois na última semana precisava de ajuda para arrumar uma coisa na minha casa. O senhor veio e fez tudo errado. Confundiu tudo, demorou um dia a mais. No outro dia ele veio acompanhado do filho e percebi que ele era analfabeto. Precisou de ajuda para ler. Percebi então que eu estava irritada com algo que, se eu apenas tivesse perguntado: precisa de ajuda? não teria acontecido.
Vi também que, por mais que tenha aprendido, ainda tenho muito a caminhar. Ainda bem.

por Manuela D' Àvilla
no blog Há uma menina...