segunda-feira, 13 de julho de 2009

O internacionalismo de massas na resistência ao imperialismo

Um dos aspectos fundamentais da atuação do PCdoB é a luta antiimperialista, essência de sua linha política. Mesmo quando estão na ordem do dia lutas estritamente internas – como a questão nacional, a ampliação da democracia, as melhorias sociais e os processos internos de reivindicação popular –, ainda que se analise o cenário apenas do ponto de vista brasileiro, a questão antiimperialista está presente.



Por José Reinaldo Carvalho*


Isso porque não se pode conceber a questão nacional desligada de um sistema de dominação imperialista que foi montado secularmente no Brasil e cujo desmonte é uma obra que depende de medidas muito complexas resultantes de um processo revolucionário. Ademais, a luta antiimperialista está intrinsecamente ligada ao combate cotidiano do povo brasileiro contra o sistema de dominação da grande burguesia monopolista e financeira, entrelaçadas com os potentados internacionais que tentam subjugar o país ou mantê-lo em sua órbita de poder geopolítico. Para as forças democráticas, patrióticas e populares brasileiras, isto significa que não há uma “muralha da China” a separar a questão nacional das questões democrática e social.



A luta contra sistema de dominação imperialista em nosso país só pode ser conduzida vitoriosamente se se tomar isto em consideração, pois esta consciência terá como corolário a fixação de alvos e tarefas ajustados à realidade, à correlação de forças, ao nível da batalha em suas distintas etapas. Não haverá fórmulas simples, mas a luta antiimperialista se favorecerá de formulações programáticas corretas, métodos amplos e políticas de alianças que correspondam ao propósito de unir, organizar e mobilizar ponderáveis forças sociais e políticas.



Ilusões no “imperialismo benigno”




Nos últimos anos, particularmente durante os dois mandatos de George W. Bush o imperialismo estadunidense proclamou e levou a efeito uma espécie de tirania global. Endureceu suas políticas interna e externa, esta última sistematizada na Estratégia de Segurança Nacional, conhecida como “doutrina Bush”, um corpo de ideias de cariz abertamente fascista. A humanidade passou a viver a época da “guerra infinita ao terrorismo”, das guerras preventivas, da violação do direito internacional, da perseguição a países considerados integrantes do “eixo do mal”, do combate estratégico a países que aspiram a jogar um papel de destaque no concerto internacional, de instrumentalização das Nações Unidas, das ações unilaterais. A época, enfim, em que se tornou natural o chefe de turno da superpotência imperialista começar o discurso sobre o estado da União com a frase “A América está em guerra”.


Em tal contexto cresceu sobremaneira o papel e o lugar ocupado pelo combate antiimperialista na orientação das forças políticas de esquerda, destacadamente dos comunistas. No Brasil, foi sensível o aumento da atividade internacionalista que se traduziu na multiplicação das ações de massas, no surgimento de novas frentes, entidades e coordenações entre forças antiimperialistas, no crescimento e na ampliação da luta pela paz e na solidariedade internacional. Surge o internacionalismo de massas, o internacionalismo do povo brasileiro e isto é um mérito das forças progressistas e de esquerda de nosso país. No que diz respeito especificamente ao Partido Comunista do Brasil, tem sido fecunda a ação prática nesse sentido e a contribuição para plasmar esse internacionalismo de massas.


Tem sido uma característica saliente também da agremiação comunista brasileira a reflexão política e teórica, resultando em análises e orientações que marcam época quanto à compreensão sobre a crise do capitalismo, ao progressivo declínio histórico do imperialismo norte-americano relativamente ao apogeu de outros períodos históricos e à emergência de novos polos econômicos e de poder geopolítico, assim como na indicação de estratégias e táticas de luta. Revelou-se, assim, o antimperialismo, como um aspecto político, ideológico e prático da linha política geral e da atividade concreta do partido dos comunistas e de outras forças aliadas de esquerda.


A formação dessa consciência antiimperialista e internacionalista se faz em meio a polêmicas e exige também o combate às ilusões. Há análises que convenientemente situam os dois mandatos de George W.Bush como um hiato na história do imperialismo norte-americano . Apresentam as flagrantes violações à soberania das nações e povos, as agressões e crimes de lesa-humanidade como dificuldades que os Estados Unidos enfrentaram para harmonizar a agenda de afirmação da sua hegemonia unipolar no pós-guerra fria com os princípios do multilateralismo, numa leitura benevolente do que seria um imperialismo “benigno”, porque defensor de princípios multilaterais, que sofre o “maligno” desvio do unilateralismo.


Tais ilusões devem ser combatidas mormente agora quando o imperialismo norteamericano procede a flexões em sua política externa e encontra-se empenhado na mudança de imagem e na fixação de um perfil de potência que supostamente apregoa a democracia, o respeito à soberania nacional e ao direito internacional e promoverá uma correção de rumos na política externa no sentido do multilateralismo e da não intervenção política e militar nos assuntos de outros países. Estas ilusões estão na base de outra – a de que emergirá, democraticamente e sem conflitos, uma nova ordem multipolar em que os Estados Unidos serão uma espécie de primus inter pares na “comunidade internacional” e até um aliado ou parceiro estratégico, não mais o inimigo principal a combater.


De igual importância para a prática internacionalista dos comunistas é o combate às ilusões sobre as possibilidades de regeneração do capitalismo, tão em voga até pouco tempo antes de eclodir a presente crise econômica e financeira. Cegos às evidências de crise estrutural e sistêmica, de declínio progressivo e relativo da superpotência norte-americana, de deterioração do padrão dólar e do “longo crepúsculo do capitalismo”, na brilhante formulação de Jorge Beinstein, economista e ideólogo do Partido Comunista da Argentina, não foram poucos os que se deixaram ofuscar pela efêmera e limitada expansão da “era Clinton”. Trombetearam a retomada da “liderança econômica dos Estados Unidos” e chamaram de “catastrofistas” àqueles que insistiam em denunciar perante os trabalhadores e os povos as mazelas do capitalismo como sistema inerentemente gerador de crises.




O antiimperialismo num cenário contraditório




O internacionalismo dos comunistas e do povo brasileiro é exercido numa situação mundial paradoxal, marcada por uma unidade de contrários entre, de um lado, as ameaças à própria sobrevivência da humanidade e, de outro, as potencialidades revolucionárias e libertadoras das forças progressistas e dos povos e que derivam da própria realidade objetiva. As ameaças à sobrevivência humana, à paz, à segurança internacional, à democracia, aos direitos dos povos e à soberania nacional fazem parte das políticas levadas a efeito pelas potências imperialistas, pela grande burguesia monopolista e a oligarquia financeira internacionais.



As políticas que põem em prática são antagônicas aos interesses dos povos e aos direitos dos trabalhadores. A perdurarem essas políticas, a perspectiva é a da degradação continuada da humanidade e de suas condições de vida. É por isso que, sem nenhum dogmatismo, se faz mais atual do que nunca a disjuntiva vislumbrada pelos fundadores do marxismo – e que foi verbalizada por Rosa Luxemburgo nas primeiras décadas do século passado – entre o socialismo e a barbárie. Estamos convencidos de que ou detemos o curso perigoso que o mundo está seguindo – e para detê-lo é preciso muita luta – ou a perspectiva da humanidade é a degradação, a barbárie.



De outro lado, há muitas potencialidades, perspectivas e possibilidades de luta. Analisando os elementos mais marcantes do atual quadro internacional, justifica-se a adoção, na ordem do dia, da luta antiimperialista e do internacionalismo como tarefas essenciais dos comunistas. Quando nos referimos às ameaças contidas nas políticas do imperialismo, estamos também tratando da política de guerra, intervencionista e de militarização do planeta.



A partir de meados dos anos 1990 – depois da derrocada do socialismo na URSS e no Leste Europeu, da crise que isso ocasionou para os movimentos sociais e os partidos políticos de esquerda – vem acontecendo um processo de retomada da luta dos povos. Este é o lado contraditório que alimenta as potencialidades do desenvolvimento da resistência à ofensiva do imperialismo e do capitalismo.




Internacionalismo de massas



É em face dessa realidade que os comunistas praticam seu internacionalismo e imprimem a este um caráter de massas e de trabalho de frente única, o que estamos denominando de internacionalismo de massas ou o internacionalismo do povo brasileiro.



A multiplicação de atividades internacionalistas pelas entidades do movimento sindical e popular, a ação multilateral e multissetorial do Cebrapaz – Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz - , hoje na presidência do Conselho Mundial da Paz, a realização de tribunais antiimperialistas, dos encontros contra a ALCA e dos Fóruns Sociais mundial, continental e brasileiro, assim como de manifestações contra as guerras imperialistas têm marcado o movimento democrático, popular e antiimperialista no Brasil nos últimos anos. As bandeiras da paz e da solidariedade com os povos são essencialmente revolucionárias, sendo falso confundir a luta pela paz com reformismo, pacifismo e capitulação.



A experiência demonstra que a bandeira da paz e da solidariedade aos povos tem caráter intrinsecamente revolucionário. Como assinala o Projeto de Resolução Política do 12º Congresso do Partido Comunista do Brasil, “A luta pela paz surge como uma das mais importantes frentes de combate antiimperialista. Luta que assumiu dimensões gigantescas quando da agressão norteamericana ao Iraque e que, embora num nível diferente, tem sido constante e diversificada, contra as armas nucleares, contra as bases militares, contra as guerras de ocupação”. Esta luta ganha ainda maior significado com a campanha que o Cebrapaz está realizando contra a 4ª Frota da Marinha de Guerra dos Estados Unidos, relançada para ameaçar os países e povos da América Latina e do Caribe.




Foco da solidariedade internacional




Neste contexto, é fundamental que os comunistas atuantes nos movimentos sociais incorporem a bandeira da luta contra a guerra, pela paz e pela solidariedade com todos os povos atingidos pela guerra imperialista. Os comunistas são solidários aos países do Oriente Médio agredidos pelos Estados Unidos e por Israel.



O Iraque e o Afeganistão foram invadidos logo depois do 11 de setembro, sob o pretexto de caçar Osama Bin Laden. A ocupação dura até hoje. No Iraque, os Estados Unidos concentraram nos últimos seis anos o grosso de suas ações no Oriente Médio. Gira em torno de 150 mil e o número de soldados americanos e aliados atuantes no país árabe. Agora, anuncia-se o aquartelamento dessas tropas e um plano ainda vago de retirada em 2011, elaborado em suas linhas principais pelo governo de Bush e ratificado pelo atual presidente dos EUA, Barak Obama, que anuncia o deslocamento do eixo da intervenção militar estadunidense na região para o Afeganistão, onde tem havido cruentas ações terrestres e bombardeios aéreos. Tanto no Iraque quanto no Afeganistão desenvolve-se uma encarniçada resistência popular que a propaganda oficial identifica com o terrorismo. Obviamente o movimento popular e a solidariedade internacional identificam-se com a resistência nacional antiocupação.



O Líbano, por sua vez, sofreu com a guerra provocada por Israel, instrumento dos EUA na região, e conseguiu vencer. Foi a primeira vez que o exército israelense sofreu uma derrota acachapante numa guerra com um país árabe. Por isso o Hezbollah se transformou numa força política decisiva e hoje conta com o respaldo de vastas camadas da população libanesa e de todo o Oriente Médio.



A Palestina, com seu povo martirizado há mais de 60 anos, é depositária da solidariedade militante dos comunistas e do povo brasileiro em sua luta pela criação do Estado livre, soberano e independente, tendo por capital Jerusalém.



Mesmo nos casos em que os comunistas não tenham identidade ideológica, sua solidariedade é indeclinável com os estados nacionais agredidos e ameaçados pelo imperialismo. Há 30 anos, desde a Revolução Popular que derrubou a monarquia despótica do xá Reza Pahlevi, os Estados Unidos perderam uma das suas principais bases na região do Oriente Médio. Desde então, os EUA conspiram para derrubar o governo iraniano e intervir no país.



A solidariedade militante se volta também para o conjunto dos países socialistas e não pode ser indiferente, sob falsos pretextos, às pressões, chantagens e ameaças do imperialismo estadunidense à República Popular Democrática da Coréia.





América Latina e EUA – Interesses antagônicos




Um dos polos mais importantes da luta antiimperialista na atualidade é a América Latina. A região sempre foi e continua sendo alvo da cobiça e dos planos de dominação do imperialismo. Os interesses dos povos e nações latinoamericanos e caribenhos são antagônicos aos do imperialismo estadunidense, mesmo quando este se apresenta, através de jogadas políticas, com nova linguagem e roupagem.


O quadro político e a luta democrática e popular na América Latina experimentaram extraordinária evolução ao longo dos últimos 10 anos. Desde 1998 – quando Hugo Chávez foi eleito presidente pela primeira vez – há uma verdadeira onda de movimentos sociais e políticos e vitórias eleitorais de forças progressistas. Esse processo teve reflexos em países como Uruguai, Brasil, Paraguai, Bolívia, Equador, Nicarágua, Argentina, El Salvador. A luta é para que este novo ciclo tenha prosseguimento, que essa onda de vitórias progressistas se prolongue e se consolide.



Na Colômbia persistem os impasses decorrentes da vigência de um regime antidemocrático, ao passo que o movimento popular insiste em construir saídas para o conflito armado. No México, cresce a oposição a um governo que é resultado da fraude e se distingue pelo entreguismo e a corrupção. No Peru, o exercício de políticas antipopulares e o massacre a populações indígenas desmascaram o governo e fazem crescer o clamor por mudanças.




No contexto latinoamericano, Cuba se destaca como força simbólica maior, inspiradora de todos os movimentos revolucionários do continente. Uma posição internacionalista do movimento social brasileiro é indissociável da solidariedade a esse heróico povo, à sua luta contra o bloqueio e pela libertação dos seus heróis encarcerados nos Estados Unidos.


Em meio a tudo isso, aparecem algumas situações – e o caso mais típico é a Venezuela – em que da vitória eleitoral, o presidente vencedor se proclama antiimperialista, revolucionário, defensor da libertação dos povos e da revolução socialista, o que aparece como o fator mais novo e dinâmico da luta pela libertação nacional e social na região. Nossa tarefa é reforçar esses processos revolucionários, democráticos e progressistas com todos os matizes que possam ter.




* Jornalista, escritor, especialista em Política e Relações Internacionais, secretário de Relações Internacionais do PCdoB e diretor do Cebrapaz



Fonte: Vermelho

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